quarta-feira, 7 de março de 2007

BIBLIOGRAFIAS - Salto Mortal


Salto Mortal, de Marion Zimmer Bradley, é um grande livro, na total extensão semântica do termo. A sua intriga, dividida entre as décadas de 40 e 50 do século XX, não permanece inteiramente alheia à Grande Guerra. A obra é, toda ela, perpassada pelo fascínio que o trapézio exerce, por tudo o que implica voar ou cair.

A autora, conhecida pelas suas obras voltadas para a mística celta ou para a ficção científica, desta vez, narra-nos algo bem diferente: A história de uma família de trapezistas italianos da antiga “aristocracia do Circo”, agora itinerante nos Estados Unidos da América – os Santellis.

Como na quase totalidade das famílias numerosas, as relações entre os respectivos membros tornam-se controversas, levantam-se tabus, mas, neste caso particular, a tudo isto se sobrepõe o aparelho de trapézio; tudo lhe está subordinado – o clã, o estrelato, a vida, a morte, a Fortuna (boa ou má).

Das gerações de Santellis conhecidas, destaca-se a figura de Mário, o elemento mais novo, mais volúvel, mais brilhante do número Santellis Voadores. Mário consagra a vida à tarefa de provar que, para si, não existem impossíveis; submete-se a incontáveis quedas para alcançar a perfeição no triplo salto para as mãos do seu base. Este é o salto mortale, até então visto como uma impossibilidade física, recente e acidentalmente produzido por um trapezista que, depois de o ter feito, jamais voou. Para Mário, este não é apenas um exercício arrojado – o “salto fatal” é o “salto do destino”.

A adopção de Tommy Zane, um jovem rapaz do circo, constitui uma total excepção à tradição familiar. É Mário quem traz à luz o que de melhor Tommy tem dentro de si, tempera-o através de um trabalho exaustivo e da observância contínua do código estabelecido: Aconteça o que acontecer, haja o que houver, “os Santellis estão sempre prontos”, sem que nada de pessoal seja levado para a plataforma do aparelho.

Ambos os protagonistas, cientes de não poderem dar as quedas um do outro, envolvem-se numa luta conjunta pelo aperfeiçoamento da arte do trapézio clássico, numa história de amor entre um rapaz e um homem, numa contenda contra as pressões e adversidades, numa aprendizagem de como lidar consigo e com os outros. Juntos brilham na pista central do maior espectáculo. Separadas condenam-se à mediocridade e ao anonimato.

No discorrer da narrativa, com o desenvolvimento das personagens e das suas relações, dá-se a descoberta e a aceitação da homossexualidade que se vê exposta num ângulo inusitado – “vista por dentro”.

A maturação, a construção do percurso dos dois indivíduos, cujo amor os alia num laço que se recusa a ser desmanchado quer pelo espaço quer pelo tempo, comporta em si uma dimensão tão peculiar quanto reveladora à qual o leitor não pode permanecer indiferente.

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