sábado, 17 de março de 2007

COM TEXTO - Viver a (im)prudente aprendizagem de vencer o tempo


- Aquele que não vive agora, nunca mais vive. Que fazes tu? (1)

- Vivo! É imperativo. É uma aprendizagem árdua, perigosa, mas premente se se deseja fruir o tempo disponível, que começa sem pedirmos e termina sem querermos. Não há outro tempo que não este, o nosso, e é efémero.

Viver, acto de passar na Vida, é tudo o que dela e nela fazemos: e aí il faut être prudent, mais non pas timide (2). Prudência, não timidez! A prudência implica actividade, a timidez, hesitação. Mas há dor, a dor faz-nos temer até a própria dor! Este temor, quando atinge o terror, origina casos como o de Ricardo Reis, que teme o sofrimento acima de tudo; as suas aspirações à Felicidade cingem-se a uma existência totalmente indolor, mesmo que isso implique passar pela Vida como uma sombra espectadora, desgarrada. Ao esbarrar na Morte incontornável, na vida que “passa e não fica, nada deixa e nunca regressa”, abdica de tudo para não sofrer.

A inevitabilidade do Fado deixa-o prostrado, pois “quer gozemos quer não gozemos, passamos como um rio” e “mais vale saber passar silenciosamente / e sem desassossegos grandes”. Torna-se uma personagem ressentida, afligida pela efemeridade da vida. Assim, dado o seu paganismo, refugia-se no epicurismo almiscarado por um certo estoicismo, assim como em Horácio. Se nós, seres vulgares, procuramos a Felicidade na concretização prática, para os epicuristas, o prazer resume-se a uma completa ausência de dor, qualquer outro prazer é o começo e o fim da existência feliz (3). Reis opta, então, pelos prazeres estáticos, ditos superiores. É uma resposta aos seus tormentos, uma oferta de repouso e ataraxia.

É necessária ousadia ou resignação total (4). Não concordam que é mais prudente, mais fácil, ser-se audaz do que inteiramente resignado? Não vos parece mais viril? Não admitem que “aprender a vencer o tempo” é sinónimo de viver, viver de facto?

Poupar o coração é permitir à morte coroar-se de alegria (5), é morrer um pouco a cada dia.

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(1) – Piet-Hein

(2) – Voltaire

(3) – Epicuro

(4) – Tito-Lívio

(5) – Eugénio de Andrade

Texto de reflexão - Português

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