domingo, 27 de maio de 2007

POÉTICA - Sou de Vidro



Sou de vidro

Meus amigos sou de vidro
Sou de vidro escurecido
Encubro a luz que me habita
Não por ser feia ou bonita
Mas por ter assim nascido
Sou de vidro escurecido
Mas por ter assim nascido
Não me atinjam não me toquem
Meus amigos sou de vidro

Sou de vidro escurecido
Tenho fumo por vestido
E um cinto de escuridão
Mas trago a transparência
Envolvida no que digo
Meus amigos sou de vidro
Por isso não me maltratem
Não me quebrem não me partam
Sou de vidro escurecido

Tenho fumo por vestido
Mas por assim ter nascido
Não por ser feia ou bonita
Envolvida no que digo
Encubro a luz que me habita

Lídia Jorge

quarta-feira, 2 de maio de 2007

DIAS - Dia Mundial do livro e direitos de autor

Esta é uma publicação conjunta: eu ofereço o espaço, o meu tio-poeta o conteúdo.

O Dia Mundial do Livro e Direitos de Autor marcou o calendário no dia 23 do mês transacto. Todavia, não é tarde nem vem a despropósito mencioná-lo.


"A Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Angra do Heroísmo promove
no próximo dia 23, pelas 18 horas, na Sala de Reservados, um encontro
de escritores com o público leitor, para assinalar o Dia Mundial do
Livro e dos Direitos de Autor.
A iniciativa, moderada por Marcolino Candeias, envolvendo as
participações dos escritores Eduardo Ferraz da Rosa, José Álvaro
Afonso, Carlos Bessa, Luísa Ribeiro, Paulo Freitas, Vasco Pereira da
Costa, Álamo Oliveira e João Afonso, pretende suscitar o diálogo e a
partilha de experiências entre leitores e criadores literários,
promovendo, também, o livro e a leitura.
Ao evento, aberto ao público em geral e com a participação de
diferentes gerações de escritores, associa-se a livraria "In Folio"
para uma sessão de autógrafos que terá lugar no átrio daquela
biblioteca.

O Dia Mundial do Livro e dos Direitos de Autor, que ocorre na próxima
segunda-feira, foi instituído pela UNESCO em 15 de Novembro de 1995,
com o objectivo de homenagear a obra de grandes escritores como
Shakespeare e Cervantes, falecidos a 23 de Abril de 1616, estando a
data associada, igualmente, a uma tradição catalã que manda que nesse
dia cada cavalheiro ofereça à sua dama uma rosa vermelha de São Jorge,
recebendo um livro em troca. "

Jornal Diário de 22-04-2007



Sei que um poema faz um poeta

Sei que um poema faz um poeta. Duvido que duas colecções me autorizem a sê-lo.

Mas, ainda assim, é-me pedido que reflicta sobre o meu “percurso de escrita”.

Começo por declarar, absolvendo-me de qualquer arrogância, que não faço ideia do que seja isso. O Google remeteu-me para ensaios literários e programas do Ministério da Educação. Não, obrigado. Por aí, quero-me amador, não profissional, informado q. b.

Apenas posso dizer que me imagino sem escrever e me imagino sem ler, mas não sem pensar como se fosse poeta nem sem livros.

Digo, pois:

Nos tempos de faculdade, fui um consumidor refugiado, insaciável, compulsivo de televisão. Talvez por isso, já há uma mão cheia de anos, escolhi não tê-la em casa, sendo certo que muito ajudado por uma incurável avaria no aparelho então disponível…

O que aqui importa é que, um belo dia, numa qualquer sessão (mas certamente sem telemóveis nem pipocas), dei por mim a olhar a pantalha como se nunca tivesse visto o filme, não aquele filme, não um filme, mas Cinema!

Sem querer ignorar que idêntico percurso me teriam proporcionado as incontornáveis teorias, concluí que essa dieta dera-me outra cor aos olhos, apurara-me e renovara-me o olhar. Abrira-me portas insuspeitadas, que, isso sim, transbordaram do ecrã para a vida vivida.

Isto para dizer que, com o que escrevo, é essa renovada limpeza — liberdade — que ambiciono aprender e — pudesse eu — transmitir.

Acredito, assim, no fulgor da palavra que ilumina a vida inteira e ganha espessura no próprio acto de ser escrita.

É mensagem porque o poema é acontecer visual da língua em que se escreve, e também a sua música secreta, água fresca de um poço sem fundo, “irmão do silêncio”, ainda que recolhido no estrépito de um turbilhão.

Mensageiro, o poema é sempre imperfeito, ponto de Arquimedes, pedra-de-toque, ao qual há que aceder como a um oráculo.

Para o meu “percurso de escrita” …seja lá o que isso for… ambiciono — utopia — à palavra-ovo, à concisão maior de um dizer límpido, mas torrencial.

José Álvaro Afonso

15/04/2006