sábado, 8 de dezembro de 2007

COM TEXTO - O menino que já não acredita no Pai Natal

Existem lugares que nos agradam particularmente, nos quais nos sentimos bem e confortáveis. Encontrei um assim, aqui no Porto, estrategicamente localizado, à beira da faculdade.

Nesta pequena Confeitaria é-se bem recebido, a comida é saborosa, da sopa de couve branca aos rissóis de espinafres, passando pelos queques de noz e bolachas húngaras. E há sempre um frenesim de pedidos e serviços. As mesas são pequeninas e, por isso, convidativas não só ao lanche, como também ao estudo individual. É uma bênção, um espaço assim, no qual tanto se pode encontrar conhecidos para almoçar, como isolarmo-nos do exterior.

A proximidade das mesas pode proporcionar situações como esta que intitulei de “O menino que já não acredita no Pai Natal”.

O panorama era o do costume – casa cheia. Do burburinho destacava-se um conjunto de vozes barulhentas, que, por acaso, vinham da mesa ao lado. A minha atenção foi incontornavelmente despertada pela resposta audível do miúdo a um telefonema para o seu telemóvel.

O contexto era o de alguém que lhe ligava a propósito das prendas de Natal, ao que o rapaz respondeu com convicção que queria um ringue e uns bonecos de wrestling. Até aqui, normal - toda a criança tem desejos e faz pedidos, numa primeira instância ao atencioso Pai Natal e depois aos pais, não menos atenciosos.

Nem sei com que idade se costuma deixar cair o mito, ou com que idade me apercebi da metáfora. Acho que aos poucos, essa fantasia passou a ser sustentada para meu irmão, não para mim. (Não vou defender aqui a minha teoria de que as crianças devem saber, desde logo, da real proveniência dos presentes, mesmo que aos adultos pareça uma crueldade não permitir a ilusão, tanto que assim podem surgir alguns dissabores vindos do colégio, quando a criança esclarecida afirma perante outras que o Pai Natal não existe.)

A questão está em que qualquer fantasia já fazia parte de um passado distante para aquele miúdo pouco crescido. Não foi a enumeração das prendas esperadas, mas sim o modo como foi tratado o assunto – como um dado adquirido, quase uma exigência que se crê certa de ver satisfeita – que me chocou. E sabia os preços de cabeça: 90€ para o ringue e outros 100€ para os bonecos novos (os do Natal passado já não eram suficientemente bons, estes sim, porque articulados!) Soou-me vagamente exorbitante, mas será, porventura, relativo.

Quando voltou ao éclair de chocolate, desinteressei-me. Mas o quadro permaneceu vivo o tempo de terminar a refeição e me embrenhar no que tinha levado para ler o resto do tempo.

Este acaba por ser o exemplo específico de uma realidade geral. Formamos pequenos consumidores, aos quais o termo “Consoada” dirá menos do que “prendas”. Não que ache mau trocar presentes; é tão bom dar como receber. Deverá ser já raro o caso daqueles que festejam o Natal de uma forma puramente espiritual, tanto que o Natal me parece cada vez menos ligado à original dimensão religiosa. As vidas materializaram-se e damos (mais ou menos) valor ao que se pode colocar dentro de uma caixa.

Mas sejamos razoáveis e vejamos, por entre os montes de laços e papéis amarrotados, o outro lado da Festa, que para muitos será o mote para uma pontual reunião da família a uma mesa bem posta, para uma visita adiada a um amigo ou para a sintonia com um espírito especial.

4 comentários:

Carolina Almeida disse...

Já não existe Natal sem prendas: é um facto.
Como dizes, é tão bom oferecer como receber, quando se trocam prendas sentidas. Não precisam de ser caras, não precisam de ser espalhafatosas. Têm apenas de significar o quanto gostamos das pessoas que agraciamos.
As crianças que no hoje e no agora exigem prendas caras e em grande número são pessoas que no futuro terão dificuldade em oferecer algo com significado.
Se forem pessoas com possibilidades financeiras serão do género que oferece não para dar prazer aos outros mas para se envaidecer com a possibilidade de ser mãos largas.
Eu gosto de oferecer aquilo que as pessoas precisam ou desejam. Caso fique em dúvida ofereço algo de que toda a gente gosta, por exemplo chocolates.
Mas acima de tudo ofereço feliz porque gosto muito daqueles a quem ofereço algo.

Anónimo disse...

Viva ás húngaras!
Relativamente ao miúdo, pura e simplesmente ele é igual aos outros miúdos dos dias de hoje (pelo menos os miúdos que eu conheço e aqueles que encontro nas ruas), pedem tudo e mais alguma coisa.
A culpa não é deles, é do modo como eles foram criados neste mundo consumista, e provavelmente os pais também já foram criados do mesmo modo.
De quem é a culpa afinal?
Suponho que o maior culpado seja a publicidade apelativa, das marcas de brinquedos, da informática e de tudo o que nos rodeia.
Os preços estão excessivos, os brinquedos não valem nem metade do preço, mas o que podemos fazer?
Infelizmente pouca coisa...
Mas isto já é conversa a mais.
Até já
Isabel (Fluffy)

Paulo Noval disse...

Ninguém acredita no espírito de Natal. Será mesmo?

Não será mesmo uma imagem "clichet", tradicionalista mas, na realidade, fictícia do que simboliza o Natal?

Afinal, quem inventou aquele Pai Natal que todos nós visualizamos na nossa mente foi a empresa Coca-Cola!

Anónimo disse...

FAço questão de que minha filha acredite no que aqui no Brasil se cham Papai Noel e não Pai Natal como aí. Faço isso, porque a fantasia deve fazer parte da infancia para que não deixemos jamais de acreditar em nossos sonhos. Quanto aos presentes, minha filha doa os brinquedos que não usa mais para crianças mais necessitadas e aprende que é preciso saber dar para poder receber.