terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

COM TEXTO - A Metáfora da Garrafa

Tenho medo do mar.


Cresci e tenho medo do mar.


Há nele uma imensidão transcendente, uma volubilidade permanente, tão contrária às ideias de terra, de construir e de ficar.


Tenho medo do mar.


Vi partir e não voltar. O mar levou e por lá deixou.


Não posso descer à praia sem me sentir mais órfã. Há na metafísica do horizonte a certidão da minha perda, tão definitiva! Definitiva e sem enterro. Não é final que se lavre em pedra, que se faça terra.


Venho chorar na fímbria do mar. É o mais perto que agora lhe chego, sem que isso me traga qualquer sossego.


O próprio desassossego do mar me enfurece. A fúria passa e fica a angústia de se ser praia e não onda, de não poder ir deste àquele fim de mar, encontrar o ponto de tudo o que já é nada e era meu.


Por me querer lançar na procura do que irremediavelmente perdi e haver mãos e braços que me ancoraram, fiquei presa à terra, à ilha que hoje sou.


Tentou-me a ideia de lançar ao mar a garrafa da reconciliação, do definitivo adeus. Nunca lhe encontrei o tom; para se escrever assim é preciso um tom, nenhum se não aquele que não encontrei até hoje. Mas a metáfora ficou.


É mais do que uma carta de despedida, mais do que um devaneio de criança, uma promessa de tesouro perdido, uma declaração de amor ao portador. Qualquer forma que lhe queiramos dar, a ideia prevalece. Existe toda uma dimensão simbólica criada pelo imaginário mais ou menos colectivo. Uma expectativa esperançada no porvir. A aprendizagem da paciência. Saber que se lançou um pedaço de nós no oceano. Esperar não se ser náufrago o resto da vida. A descoberta de um novo horizonte, de um novo limite. Haver alguém que nos recolha na praia. Apresentar-se na distância.


É chegar tão longe!